segunda-feira, maio 30, 2005

É preciso ter muita falta de vergonha...

Este fim de semana durante a minha leitura do Expresso fiquei abismado com um texto (publicado noutro jornal e citado num artigo) que me chamou de imediato a atenção e no qual se dizia, e passo a citar:

"Se [...] as esquerdas prosseguirem no seu programa de acabar com todo o sofrimento no mundo, [...] vamos ter em todos os países e classes sociais, abortos aos milhões, e casamentos de homossexuais aos milhares."

Parece surreal? Realmente parece, mas descanse o leitor porque é apenas o começo:

"Os contentores de resíduos hospitalares vão transbordar de crianças mortas, muitas delas completamente formadas [...] e nos países mais pobres, mesmo da Europa, corpos esquartejados de bebés vão aparecer em lixeiras de toda a espécie, ao olhar horrorizado ou faminto de pessoas e de animais. [...] Até porque haverá sempre mulheres que não têm meios, ou não têm cara, para pedir a um estabelecimento que lhes esquarteje em pedaços o filho das suas entranhas. O aborto clandestino sempre acontecerá, porque ainda acontece nos países que o despenalizaram."

Por esta altura o leitor começa-se a perguntar quem escreve tais barbáries num jornal... Mas antes das conclusões finais vou apenas citar a minha passagem preferida, atente bem:

"Se do aborto passarmos à união de homossexuais, que as mesmas esquerdas estão a legalizar como casamento, e que o mesmo Parlamento de Estrasburgo amanhã poderá vir a impor a toda a Europa, o panorama não vai ser mais confortável para a nossa imaginação. Atendendo à militância aguerrida com que também este tema vem sendo orquestrado em todo o espaço europeu, é previsível que dentro de pouco tempo tenhamos visitas de Estado ao mais alto nível, em que uma rainha, talvez sem herdeiros, dará o braço a outra senhora com estatuto de esposa, ambas de malinha na mão, e o Presidente barbudo de uma grande República se fará maritalmente acompanhar de um outro cavalheiro, que pode ser (sem ironia!) o presidente do Parlamento, um antigo fotógrafo de um grande magazine, ou até o único marechal da República."

Agora convém clarificar: quem é este senhor e de que jornal se trata? Facilmente se consta que este senhor terá ligações à Igreja, ao PNR ou a qualquer outro movimento extremista de direita.
De facto, este senhor denomina-se Padre Luciano Guerra, que, além de director do jornal onde esta vergonha foi impressa (o jornal "Voz da Fátima") é também o reitor do santuário de Fátima. Imagino que até nem seja uma grande surpresa, se bem que alguém que se dirige assim ao país e ao mundo nestes modos, criticando desta maneira feroz a liberdade que tanto nos custou a reconquistar e trazendo os preconceitos ao peito como se fossem um segundo coração, além de nos deixar surpresos, devia ser imediatamente sujeito a alguma condenação. Uma pessoa com a (suposta) responsabilidade pública deste senhor não pode passar impune com tamanho atentado à liberdade pessoal de cada um.

Gosto bastante do desfecho do seu artigo, em que apesar de toda a controvérsia, apesar de hoje em dia o segredo de Fátima ser alvo de grandes teorias que revelam grandes contradições (que inclusivé, podem chegar a mostrar que tudo não passou de um embuste, de uma mentira vinda de uma menina com uma imaginação muito fértil), o referido senhor não hesita em citar o "segredo":

"Morrerá a Europa actual? É capaz de morrer. Mas, a julgar pelas palavras finais do Segredo de Fátima, há–de haver convertidos, e não só entre os imigrantes, atentos às feridas da alma europeia, hão–de colmatar as brechas e fazer a opção pela vida e pelo futuro. Não sem sofrimento. Mas só com o sofrimento necessário."

O que significa tudo isto? Que a igreja está a entrar em fase de declínio e desespero. Que moral tem este senhor, vindo de uma instituição que é abalada diariamente por escândalos de pedofilia. PEDOFILIA, isto sim, é uma aberração, acontece porque os padres são sujeitos a uma verdadeira castração a que nenhum ser humano se deveria sujeitar. Mas se o padre Luciano Guerra acha que o problema está nas pessoas que querem aceitar a sua sexualidade e nas mães que infelizmente não têm condições para trazer filhos ao mundo. Porque esta conversa do aborto é sempre a mesma, fala-se das crianças mortas, mas quem o diz não pensa que há gente pobre, gente que não tem possibilidades para criar um filho e que, prefere não o ter enquanto está a tempo do que atirá-lo para uma lixeira ou deixá-lo numa casa de banho pública.

Para quem ainda não acredita, pode encontrar a versão em pdf do jornal aqui.

Mandasse eu no mundo e esta igreja nunca mais se veria à face da Terra.